Emoção vs Industrialização: A Batalha pela Alma da Vinificação

 

Vinho Natural.
O que é? Qual a diferença? Não é todo o vinho natural? Intervenção mínima? Baixa intervenção? De que estamos a falar?

O termo "vinho natural" é problemático; idealmente, todo vinho deveria ser natural. É só sumo de uva, certo?

Bem, quase! Entre os anos 1980 e 2000, o vinho tornou-se uma mercadoria no mercado global, e com isso surgiu a oportunidade de lucro. O vinho, como muitos outros produtos, passou por uma transformação impulsionada pelas demandas de mercado e pelas preferências dos consumidores. Tornou-se padronizado, seguro e fácil, guiado por grupos de foco. Diferente de todos os produtos, alguns destaques emergiram. O vinho é um produto de estilo de vida, fotogénico e vendável, levando publicações a tornarem-se guias de consumo influentes. O vinho, como produto, é menos como parafusos e mais como moda: “O sexo vende; infelizmente, nós vendemos vinho (jeans)”, como dizia a Diesel Jeans. A indústria do vinho seguiu o exemplo, produzindo o que os grupos de foco determinavam ser bom vinho, atendendo às demandas do mercado, perdendo um pouco da essência do "apenas uvas" pelo caminho.

Para ser claro, o vinho, em geral, não é apenas uvas. Vamos chamá-lo de vinho industrial, já que é um produto industrial. O vinho industrial é exatamente o que se espera dele: consistente, sem erros e previsível ano após ano. No entanto, não espere singularidade ou um verdadeiro reflexo das uvas a partir das quais foi feito. O vinho industrial segue os gostos mutáveis do mercado, como a Coca-Cola, adaptando sua fórmula às preferências dos consumidores. Influenciado pela Coca-Cola, o vinho tornou-se mais doce, especialmente à medida que os faróis e o foco do mercado mudaram da Europa para os EUA, refletindo o paladar mais doce moldado pelos refrigerantes que se tornaram a norma. Isso não é necessariamente mau – os perfis de vinho também podem evoluir. E evoluíram, com sabores mais doces, maior teor alcoólico, notas mais marcadas de canela, baunilha, café, cacau e caramelo.

Quando as uvas não conseguiam atingir esses sabores marcados, os enólogos recorriam a barris, barricas, micro-oxigenação – ou micro-bulle, para aqueles que viram Mondovino (2004) – e outros truques de vinificação. Filtrar e clarificar com carvão, adicionar enzimas, pigmentos e outros produtos químicos tornou-se comum, tudo embalado de forma prática e pronto para misturar no vinho. A vinificação industrial começou a assemelhar-se a pastelaria, com enólogos com folhas de parâmetros analíticos do vinho numa mão e sacos de aditivos na outra para atingir os resultados desejados, muito longe do processo de vinificação tradicional.

Corrigir falhas tornou-se rotina. Pretende um vinho com dicas de Sauvignon Blanc? Precisa de sabores específicos? Basta adicionar leveduras selecionadas e enzimas. A cor não está certa? Adicione pigmento. Muito suave ou muito forte no paladar? Ajuste taninos, açúcar e acidez, álcool, tudo pode ser adicionado ou removido. O processo tornou-se mais sobre misturar produtos químicos e usar o equipamento certo, do que celebrar a uva. Uvas? Se se pudesse fazer vinho sem uvas, possivelmente se faria. Tudo legal e presumivelmente seguro, embora preocupações permaneçam, basta pensar no uso contínuo do glifosato a nível global...

Esta abordagem industrial encheu alguns bolsos, mas sacrificou a singularidade de regiões vinícolas inteiras. Tornou-se mais fácil produzir uma mercadoria do que um produto artesanal. A vinificação, um trabalho duro, arriscado e frequentemente mal pago, tornou-se mais sobre seguir as tendências do mercado do que criar algo único. A imagem do produtor "rock star" é enganosa; se um produtor se parece e fala como um rock star, mantenha-se céptico.
Perante isto, quem pode culpar aqueles que seguiram a rota do mercado, minimizaram riscos e ganharam um pouco mais? Após essa dinâmica de mercado global, que treinou paladares em todo o mundo de forma a que se desejasse o que a indústria estava a vender, um ciclo surgiu. Era um jogo do gato e do rato: os produtores respondiam às demandas dos consumidores, e os consumidores, por sua vez, eram influenciados pelo que os produtores ofereciam. Com apenas 10 ou 20 variedades de uvas nos rótulos, os consumidores podiam escolher o seu vinho favorito, independentemente de vir do Loire, Adelaide ou Napa, e saber exatamente o que esperar.

Apesar disso, um movimento contrário emergiu das franjas, advogando por vinhos de baixa intervenção ou naturais. Alguns vêem-no como um retorno à vinificação artesanal, à vinificação como arte, com consciência ambiental; outros veem-no como um movimento rural que está a desafiar a indústria. Seja visto como um movimento contracultura, um retorno aos métodos artesanais ou uma abordagem consciente do ponto de vista ambiental, este movimento valoriza acima de tudo a honestidade.

Independentemente de como se vê o movimento dos vinhos de baixa intervenção - também conhecido como vinho natural - o princípio unificador é a honestidade. Honestidade. Honestidade para com a natureza, as uvas, a vinificação, as pessoas, a comunidade, os processos, as pessoas que desfrutam do vinho. O vinho natural (vinho NU) é sobre traduzir a essência do lugar, das uvas e das pessoas numa garrafa, sem recorrer a aditivos e técnicas industriais. É uma rebelião contra a homogeneização do vinho, buscando preservar a autenticidade e a singularidade de cada vinha, evitando o termo demasiado usado "terroir" que domina o jargão da indústria.

Em 2014, esta explicação poderia ter sido suficiente, mas em 2024, devemos reconhecer que até o vinho natural enfrenta uma abordagem impulsionada pela moda. Enquanto a maioria dos produtores de vinhos naturais continua fiel aos seus princípios, alguns exploram expectativas dos consumidores sem genuína honestidade, fingindo ser autênticos sem realmente aderir aos seus princípios. Mas isso é outra história.